Entre linhas, agulhas e sonhos, artesãos maranhenses bordam
resistências, reinventam o passado e costuram novas possibilidades
de futuro com o poder das próprias mãos. (Foto Geíza Batistta)
No Maranhão, mãos habilidosas transformam fios em arte, técnica em sustento e criatividade em caminhos para o futuro. Em um tempo em que o feito à mão ganha novos significados, artesãos e artesãs reinventam tradições e mostram que é possível empreender com afeto, originalidade e consciência.
Em diferentes pontos da Grande Ilha, entre bairros históricos e comunidades tradicionais, o crochê, o tear e a criação manual seguem vivos, agora em versões modernas, sustentáveis e autorais. O chamado artesanato criativo vai além do produto: ele expressa identidade, cultura e o desejo de viver da própria arte.
Flávia Regina Barro e Silva é uma dessas artesãs. Aos 49 anos, ela encontrou no crochê moderno uma paixão que virou profissão. O empurrão veio de uma prima, que elogiou uma peça que ela fazia apenas por lazer. Daquele comentário, nasceu uma marca e um novo propósito de vida. Detalhista e exigente, Flávia cria bolsas sofisticadas, com design exclusivo, forro interno e acabamento impecável. Cada uma é feita do início ao fim por ela mesma. “Tenho um apego muito grande ao processo criativo. Gosto de estar em cada ponto, em cada escolha. Não consigo delegar, tudo sai das minhas mãos”, conta.
A escolha por produzir sozinha vai além do controle de qualidade, é uma conexão emocional com cada peça. Flávia também valoriza o reaproveitamento de materiais e carrega um olhar consciente sobre o consumo. Já participou de feiras, vende pelo Instagram e integrou uma loja colaborativa. Associada ao movimento artesanal, ela tem orgulho de sua carteirinha de artesã e sonha em ver sua marca reconhecida nacionalmente. “Quero muito crescer. Tenho vontade de buscar uma consultoria para entender melhor como precificar, como atender o cliente. A gente precisa aprender a valorizar o nosso trabalho”, diz.
No mesmo universo de fios e pontos está Sotero Vital, tecelão com mais de quatro décadas de experiência. No tear, ele transforma linhas em caminhos de mesa, faixas de cabelo e boinas, peças feitas com paciência e precisão. “É um trabalho sem pressa. Tem minha história ali. Quem leva uma peça leva mais do que um produto, leva cultura”, afirma Sotero. Ele acredita que cada peça carrega a marca de sua dedicação e que o reconhecimento do artesanato como expressão cultural é essencial para o futuro da atividade.
O crochê, uma das técnicas mais antigas da arte manual, também ganha vida nas criações de outras artesãs. Raquel Matos, por exemplo, aprendeu crochê ainda na adolescência. Hoje, ela mistura a técnica com biojoias feitas de sementes da floresta. “Cada peça que crio é pensada para trazer conforto e estilo. O crochê não é só lembrança da vovó. Hoje, ele se reinventa na moda, seja nas roupas, nos biquínis ou nos acessórios, e se torna uma verdadeira arte que pode ser usada no dia a dia”, explica Raquel. Entre suas criações estão roupas e acessórios para adultos e crianças, que ela confecciona com apuro estético e sensibilidade.
Já Ana Lúcia Ferreira Cunha se especializou em bolsas de crochê, unindo elegância, sustentabilidade e um toque de modernidade. Para ela, o crochê é versátil e permite acompanhar as tendências sem perder a essência artesanal. “As bolsas artesanais são charmosas e sustentáveis, feitas com carinho em cada detalhe”, comenta Ana Lúcia, que vê nas suas criações uma forma de dialogar com um público que valoriza o feito à mão.
Em Paço do Lumiar, o ritmo do reggae, tão maranhense quanto o próprio tambor de crioula, virou inspiração para Iracy Câmara, que uniu o crochê à estética reggae. “Sou conhecida como Iracy Crochê Moda Reggae porque comecei a criar peças inspiradas no reggae. Eu já era crocheteira quando o reggae estourou por aqui e resolvi trazer essa identidade para o meu trabalho”, conta. Iracy também participa da Associação Arte Paço e destaca o papel das associações para o fortalecimento da categoria: “A união dos artesãos é essencial. Trabalhando juntos, conseguimos mais oportunidades e reconhecimento.”
Por trás de cada ponto, existe uma história. Histórias de superação, de descobertas tardias, de amores antigos por linhas e tecidos. Histórias de quem começou cedo ou só depois de adulta. Histórias de quem se inspira na natureza, na música, na cidade e no próprio cotidiano.
O artesanato feito no Maranhão é mais do que beleza. É raiz, é identidade e é também economia. São homens e mulheres que trabalham com as mãos para transformar o mundo ao seu redor. E em cada peça única vendida, há também um pedaço de quem a criou.
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